Lc 24,
13-35
Meu coração ardia, eu sabia que era o Senhor.
"Dois discípulos até então desconhecidos na narrativa dos
evangelhos decidem seguir um novo caminho após a confirmação da morte de Jesus.
Eles andam amedrontados e conversam e se interrogam sobre o fato. E o inusitado
acontece: Jesus chega perto e anda com eles.
Lucas, o narrador, diz que os seus olhos não podiam
conhecê-lo. Era o momento de dividir com um imigrante a maior dor e a maior
incógnita que havia em seu coração. Jesus, o maior imigrante deste mundo, sem
ter onde reclinar a cabeça, foi misteriosamente acolhido por dois dos seus
discípulos.
Aqui já aprendemos duas lições:
1) o discípulo de Jesus é alguém do caminho, do encontro, do
diálogo e do compartilhamento da vida e
2) o discípulo de Jesus acolhe imigrantes. Sim, ele acolhe,
mas há uma tensão finíssima entre a necessidade de acolhimento e a manutenção
das leis de imigração de sua pátria, para que não haja totalmente desconexo do
espírito do evangelho.
O diálogo com o forasteiro é sobre o forasteiro. Eles não
sabiam, ainda. Estão conversando sobre a perda daquele que simbolizava,
representava e era a única esperança de vida para eles. Estavam falando da dor
da perda, da impotência no dia da angústia e das sombras da morte que rodearam
aquela sexta-feira nebulosa, sofrível e agonizante. E dor, não havia ninguém melhor
para conversar do que ele.
Os discípulos, mesmo sem saber quem era o imigrante, decide
recebê-lo em sua pousada. Mistério para esta temporalidade. Não dá para receber
todas as pessoas, mas não dá para não receber ninguém. Pois não é uma questão
de precaução social somente, mas de ser um agente da graça ou não.
(Pausa para a questão da imigração): fazer uma defesa de ser
a favor ou contra é pouco; ficar em cima do muro é mais seguro, mas temos uma
boa alternativa que é ser igreja aos que mais precisam, e isso vai sempre
incorrer num risco de lidar com a intolerância de todo o tipo de parte, mas a
nossa salvação estará no fato de que não partirá de nenhum de nós.
Tal questão não pode ser tratada em tão poucas linhas, de
modo que espero ter a oportunidade de abordar com mais calma este dilema do
homem deste século.
A narrativa termina com um momento litúrgico, mas
profundamente significativo: pão e vinho. Eles celebram a comunhão e o
forasteiro, ao partir o pão, faz arder os corações e deles desaparece
fisicamente. Mistério misturado com misericórdia. Amor revelado. “Estou vivo e
entre vocês”. “Comam o pão da propiciação,
pois eu propiciei com o meu corpo ante o Pai a redenção de vocês”. “Bebam o
vinho, pois eu fiz um novo e vivo caminho, que não dá para Emaús, mas para Jerusalém…
uma nova Jerusalém.”
Então os discípulos converteram (deram um giro de 180 graus)
o caminho deles e voltaram para a antiga Jerusalém. Lá, provavelmente, foram
revestidos de poder. E hoje, muito provavelmente, devem estar no lugar de
descanso do Pastor dos pastores, aguardando a entrada triunfal na cidade do
Rei, para habitar para sempre na casa que ele preparou para aqueles que o amam e
o seguem, custe o que custar".
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